2a Arte Poética

 

 

 

 

 

Enquanto haja que chorar,
enquanto haja que gritar,
enquanto haja que lutar,
contra a fome que perdura,
contra a dor que permanece,
cantar só não me apetece
pelo prazer de cantar.
Não sei de beleza pura.

Embora em nome da arte,
por ilusão de ilusão,
seria isso evasão,
seria isso traição
ao povo de que sou parte,
ao qual devo o coração,
o pensamento, a acção,
e até a voz com que canto,
como quem o pão reparte,
quem quem se dá em pão.
o amor da rebelião.
o amor da destruição
da dominação burguesa,
que há tanto sobre nós pesa
e sobre nós pesa tanto.

Operários, camponeses,
marinheiros e soldados,
a par de os mais explorados,
sois os melhores portugueses,
e a Pátria tereis nas mãos
no dia em que o entenderdes.

É a vós principalmente
que tenho por meus irmãos,
que tenho por minha gente,
que rendo todo o meu preito.
Os frutos que estavam verdes
já estão bons para colher.
Colhê-los, que era um direito,
transformou-se num dever.

Planícies minhas, meus montes,
meus rios, searas minhas,
meus vales, meus horizontes,
meus montados, minhas vinhas,
meus olivais, minhas fontes,
minhas hortas, meus pomares,
meus moinhos, minhas minas.
minhas pedreiras, meu gado,
nieus pinhais, minhas adegas,
meus celeiros, meus lagares,
meus castelos do passado
que nunca aceitei às cegas,
minhas fábricas vulgares,
meus jardins. minhas salinas,
minhas praias, meu sol quente,
meu mar poderoso em frente,
quer sereno, quer irado,
meu azul e doce céu,
de que afinal nada é meu,
infeliz, mas felizmente,
pois para mim nada quero
se de todos o não for,
flori no pleno esplendor
de uma paz sã por que espero.

Da luz do mundo me espanto.
Das sombras dele me calo.
Assim, a ele me igualo,
no ímpeto, ou no quebranto.
Assim, a frio me exalto,
exaltando a liberdade.
Nem há mais clara verdade.
Nem há intento mais alto.

Sonho é a vida que vivo,
mas realizado sonho,
de que sou senhor cativo,
que procuro e a que me esquivo,
que me atrai e a que me oponho.

Sou homem de fé segura,
de um momento e de um lugar.

 

luis cilia

Poesia de

Armindo Rodrigues

  

 

 

 

 

Caixa de texto: "Contradições"

 

 

 

 

 

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