“Contradições”
(LP –1983 - Portugal –Diapasão DIAP 20005)
(cassete - 1983 - Portugal - Diapasão DIAP 205) ver imagem ao lado
Disco parcialmente dedicado à poesia de Armindo Rodrigues
«Luís Cília permanece como um dos
mais representativos cantores de um canto de intervenção cujo vigor e
acutilância não tem seguido a corrente de quantos se têm entretido com
rodriguinhos estéreis e conformistas. Luís Cília teima (e ainda bem!) em
prosseguir na senda do dito mordaz, do humor demolidor de compadrios e
situações (soluções?) de compromisso, que tem vindo a instalar-se de modo
crescente entre os mais responsáveis criadores da nova música portuguesa: a
competição crescente entre si e uma certa perda de solidariedade activa, que
tem constituído o principal factor de não construção de alternativas válidas
aos grandes meios de comunicação social em termos de divulgação regular do
trabalho realizado. Cília reafirma a necessidade de tudo ser posto em causa,
numa altura em que, forçoso é reconhecê-lo, se corre o risco de se andar um
para cada lado, num dispersar de esforços que deixa o movimento ao sabor de
um acaso que o não é, pois é por demais sabido como o mundo do espectáculo
em Portugal é feito pelos detentores dos meios de produção e difusão.
"Contradições" insere-se na linha de "Marginal" (1981), apresentando
cantigas que constituem uma constante na obra do seu autor: musicalização da
poesia de qualidade e composição de temas nos quais o humor crítico e
irreverente serve a desmontagem/análise de factos e situações da nossa vida
de pequenas misérias. "Cantigas", "Arte Poética" e "Elegia por Antecipação à
Minha Morte Tranquila" constituem o encontro com a poesia de Armindo
Rodrigues e a música de Luís Cília, uma música feita de grandes espaços e de
expressivos ambientes. A relação poesia-música afigura-se-nos perfeita e
francamente inspirada, resultando num todo harmonioso invulgar, conferindo a
"Contradições" a dimensão das coisas pensadas com todo o rigor criativo. Se
alguém ainda tivesse dúvidas da excelência musical de Cília por certo as
perderia com as três composições apontadas; e se porventura ainda se tiver
coragem para recusar Cília invocando falsas questões vocais, pensamos que
basta ouvir com toda a atenção "Cantigas" ou "Arte Poética" para assistir ao
desmoronamento absoluto de tais argumentos. No lado segundo de
"Contradições", o encontro com a composição que através do humor desmonta
toda uma série de situações anómalas constitui uma lufada de crítica fresca
e fortemente interventiva: "Inventário" (ou de como se pode e deve
equacionar o panorama da cantiga com todas as suas bizarrias promocionais),
"A Traidora" (um tema de Georges Brassens adaptado por Cília e está tudo
dito), "Maldita Cocaína" (um recriar muito oportuno de uma canção de Almeida
Amaral/Cruz e Sousa, da revista "Charivari", 1929), "A Máfia Lusitana"
(palavras para quê?) e "Hino do Sacanavenense" (isto de andarmos sempre a
converter as derrotas em vitórias tem que se lhe diga). São cantigas que não
hesitamos em considerar dignas da já velha censura radiofónica que revela
especial predilecção pelo trabalho incómodo de Cília, mas que valem como
testemunhos ímpares de uma atitude coerente e revitalizadora (porque
intervém sem concessões).
Destaque para a participação de Fausto, Sérgio Godinho, Alfredo Vieira de
Sousa, Francisco Fanhais, Vitorino e Pedro Casaes no "Hino Do Sacanavenense"
e para a colaboração instrumental de José Eduardo (contrabaixo), Vitorino
Gomes (violino), António Anjos (violino), Vasco Broco (violino), Alexandra
Mendes (violino), António Oliveira e Silva (violeta), Luiza Vasconcelos
(violoncelo), Pedro Caldeira Cabral (guitarra), Mário Laginha (teclas),
Artur Moreira (clarinete), Carlos Martins (saxofones tenor), Fernando
Ribeiro (acordeão) e José Salgueiro (percussão).
"Contradições" traz a marca inconfundível de um Cília que permanece igual a
si próprio em todos os aspectos, assumindo a sua evolução sem elementos
estranhos à sua obra, o que inevitavelmente lhe continuará a valer os mimos
habituais dos agentes oficiais da miopia cultural deste pais. Para mal deles
mesmos. Porque apesar de ter havido notícia de um louvor da música que Luis
Cília compôs para o filme de Monique Rutler, "Jogo de Mão", não seremos com
certeza profetas de coisa nenhuma se afirmarmos que com "Contradições" ou
sem "Contradições" algumas "contradições" persistirão. Para nós, agora e
sempre, a certeza de que Cília continua a ser "homem de fé segura, de um
momento e de um lugar". O que garante a importância dos seus trabalhos.
(Mário Correia, in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984).
Da imprensa (rádio online):
O programa online "cantos da casa", na rubrica "Águas passadas que movem moinhos" do site www.esquerda.net/radio, tem evocado ao longo das suas emissões os discos portugueses da resistência. Aqui poderá ouvir um excerto do mesmo (programa 313) relativamente a este disco.
*
capa da cassete
6.38 |
Armindo Rodrigues |
|
6.32 |
||
6.52 |
||
4.22 |
Luís Cília |
|
2.21 |
George Brassens |
|
3.09 |
Almeida Amaral e Cruz e Sousa |
|
4.27 |
Luís Cília |
|
5.50 |
Luís Cília |