3b – Écloga em tempo de guerra
(Esta canção foi gravada posteriormente no LP "Penumbra - A Poesia de David Mourão Ferreira"
O som que pode aqui ouvir é o desta edição)
Só grilos
desafinados
povoam a solidão.
Pastor de almas de soldados,
sigo nos campos lavrados,
sem ouvir o coração.
Se o ouvisse, que ouviria?
Alegria?
Certo, não.
Sem palavras e sem gestos,
pisando estevas e trigo,
nestes caminhos funestos
alimento-me dos restos
do passado que persigo.
(E nem sequer receamos,
entre os ramos,
o inimigo.)
Sob céus de Primavera,
por entre olivais de prata,
seguimos... e quem nos dera
que a nossa febre esquecera
quem de nós nos arrebata!
Não são ’stranhos que tememos.
Bem sabemos
quem nos mata.
Que destino tão errado,
o que haviam de me impor!
Pastor a soldo forçado
de um gado que não é gado,
nem precisa de pastor!
E vamos!, vidas marcadas
p’las espadas
do terror.
“Maldito seja quem faz
profissão da nossa morte!
Quem ordena, lá de trás,
em segurança, na paz
que injustamente o conforte!”
(Mudos embora, este grito
fica dito
desta sorte.)
E vamos, como ciganos,
mas sem nenhuma aventura.
Seguem, atrás, os garranos,
pacientes, quase humanos,
a moer a terra dura.
– E segredam-nos os ventos
que estes tempos
são loucura.
À sombra de um castanheiro,
eis que paramos, cansados,
para instalar um morteiro
que faça fogo certeiro
sobre outros, sobre outros gados
– inocentes como o nosso,
mas que um fosso
fez danados!
Nenhuma ordem nos chega.
Ainda bem! Inda bem!
– E, cegos, na noite cega,
cada corpo é uma entrega
à calma que lhe convém.
Até o vento, mais brando,
vem sonhando
com alguém...
... E sonha então cada qual
com as pastoras distantes...
Uma zagala, um zagal...
No recanto de um pinhal,
promessas exuberantes...
(Anda sempre a mesma história
na memória
dos amantes!)
Se o dia há-de ser de luta,
que a noite não tenha fim!
Ao menos, quem quer desfruta
a placidez impoluta
de um primitivo jardim.
E se mais nos não concedem,
se é esse o preço que pedem,
seja assim!
Poesia de
David Mourão Ferreira