1a – Na capela ogival das tuas mãos
Na capela ogival das tuas mãos
Eu quero erguer uma oração à vida.
Que o sol seja mais quente, os homens mais irmãos
E para sempre a escravidão remida.
Porque que é que os cravos sangram em desfolhos
E a vida tanta se nos faz tão pouca.
(Eu beijo estrelas pretas nos teus olhos
Bebo o sangue do sol na tua boca.)
A ilusão embebeda e eu não me iludo
Já não há ilusão que me conforte,
A mim que adoro a vida e vejo tudo
Como se fosse um condenado à morte.
Se o amor atinge a cobardia
E só o álcool da luta nos redime
Una o combate os que o prazer unia
Até que o amor deixe de ser um crime.
Trago os olhos vermelhos não de pranto
Que as lágrimas há muito que secaram.
Trago os olhos vermelhos de ver tanto
Ladrão colher onde outros semearam.
Violinos crispados dos meus nervos
Nas tristes melodias que exprimis
Sangram guinchos de escravos e de servos
Soluça o coração do meu país.
A mão que afaga a cruz limpa o punhal
Que o sangue dos heróis tornou vermelho
Conviva dos festins do cardeal
Quando te vês o crime vê-se ao espelho.
Pois que a ordem seja a ordem da revolta
E parar é trair a quem avança
Que a nossa fúria galope à solta
E venha então o tempo da bonança.
Nem prisão, nem tortura, nem terror
Conseguirão deter o nosso impulso
O nosso impulso rubro como a cor
Deste sangue que nos ergue o pulso.
Não anda para trás o pé da história
Nada detém esta alegria que me invade
Se o futuro espera o hino da vitória
Que a nossa luta seja um hino à liberdade.
Na capela ogival das tuas mãos
Eu quis erguer uma oração à vida
Que o sol fosse mais quente, os homens mais irmãos
E para sempre a escravidão remida.
Poesia de
Carlos Cunha