1a – Parábola aberta (a certos críticos)
Aqui onde me ponho, criticamente sou
a crítica que posso. E criticar não é
dar-te de mão-beijada tudo o que não te dou.
Talvez que erradamente cante. Mas canto de pé.
Enquanto tu criticas, olhando-me do alto,
como se lá de cima ouvisses o que canto;
como se o meu cantar fosse o terceiro acto
duma peça acabada de que me não levanto.
Dizes pelos jornais o que a vida desmente
quando o rio murmura o ritmo da chuva,
segredando baixinho que tu és aparente
como o quarto-crescente entre o vinho e a uva.
Se tu aprendesses a amar estes erros
como quem os corrige por entre a multidão,
verias que a palavra nunca se põe a ferros
senão quando demora no suor e no pão.
Crítica sapiências, meu criticador,
crónica o esconderijo da tua frustração,
que não sabe o prazer misturado na dor
de caminhar de pés bem assentes no chão.
Por mim hão-de passar mais erros e canções
cada vez que contar como acendo a memória.
Enquanto tu descansas nas tuas presunções,
eu e os meus irmãos vamos fazendo a história.
Mostra-nos o ventre da tua ignorância,
vomita com ódio até não poderes mais,
a crítica-veneno perdida na distância
daqueles caminhos por onde nunca vais.
Poesia de
Manuel Correia